Turning Point?

Não são poucas as vezes em que me apanho a pensar o quanto gostaria de ter nascido noutra época, noutro tempo. Não necessariamente 500 anos antes, 30 bastariam. Mas se me dessem a escolher, teria nascido no inicio do século XX. O que me irrita é ter nascido no fim, no fim da história e no ínicio do marasmo que conseguimos conquistar. Sinto que vivo numa época parada, fria, descoberta e gasta. Numa época comodista. Se a história da terra fosse a de uma pessoa, eu teria nascido na reforma. A minha geração vive na abundância de conquistas de gerações anteriores, num espólio de heranças e de avanços tecnológicos, políticos e ideológicos que aceitamos cada vez mais sem questionar. Faz-me falta viver em eras de homens que moviam. Queria ter vivido nos dias de Gandhi, queira ter visto o homem na lua em directo, queria ter ouvido o discurso do Martin Luther King, queria andar na rua em abril de 74, ler os artigos de Freud num jornal de domingo, queria ter visto cair o Muro de Berlim, etc etc... queria ter sentido esses dias e essas pessoas que, por existirem, envolviam milhões.

Ontem, senti uma centelha de esperança a nascer para o mundo inteiro. Ontem, eu, pro-europeu confesso, senti uma pontadinha de inveja por não ser Americano. Ontem, vi a letargia do planeta ser sacudida para o espaço. Ontem, senti-me parte da história do mundo, da sua história activa e marcante e a explodir de vida. Quando ouvi o discurso de Obama, quando vi realmente que desta vez era real, senti uma chama, uma alegria inexplicável, uma crença de que não temos que nos acomodar a estes dias de tristeza em que tudo parece igual, cinzento e sem esperança. O que mais gosto neste homem é o seu ar de desafio perante o mundo, perante o muito trabalho que tem pela frente. Move-me a sua vivacidade e as mangas arregaçadas - literalmente.

Não estou a espera que os problemas do mundo se resolvam de um dia para o outro. Sei que Barack não é o messias, que a fome não vai acabar em África, que os interesses de 10 vão continuar a mudar a vida de 10 milhões e que amanhã continuarei a ter que trabalhar para pôr o pão na mesa. Mas acredito que esse trabalho vai ser bem recompensado. Acredito que o que fizer de bom vai ter resultados. Acredito que posso abanar o sistema se rugir (quando nem sequer tinha tentado miar). Acredito que a minha voz vale, e que não vai ser abafada pelo silêncio ensurdecedor dos que estão à minha volta, porque desta vez eles gritarão comigo. Acredito no sonho, num negro com raízes dispersas nos 5 continentes, num nome àrabe no ocidente. Acredito no impensável e no impossível, porque já há algumas semanas me vinha preparando para a decepção de cortarem as asas a este homem e mais uma vez nos prenderem ao sistema.

Afinal, a minha época ainda não vai para a história como a das décadas do "deixa andar". Vou poder contar aos meus filhos "eu estive acordado na noite em que o presidente Obama foi eleito" e eles vão admirar-me porque ele terá feito coisas incriveis. Coisas que eu vivi e que partilhei. A teoria dos "Grandes Homens" tem o seu quê de verdade e eu quero viver numa época que ficou bem vincada na história do mundo por causa de um grande homem. E não sou o único a pensar assim, não sou o único a acordar este leão enorme que a minha geração tem intrinsecamente amestrado cá dentro. O homem inspira-me. Desejo-lhe toda a sorte do mundo. E que seja capaz de estar ao nível do mito que emana, porque o seu trabalho no mundo real ainda não começou verdadeiramente. Já nos fez sonhar...Agora, é preciso descer a terra e fazer-nos viver o sonho.

Vale a pena rever a colecção de fotos da campanha e o fantástico discurso.
(E por falar em discurso, que brilhante vencido foi John Mccain, e não estou a ser irónico. Oiçam bem, pelo menos os primeiros minutos do discurso em que os próprios apoiantes do republicano o apupam por louvar o novo presidente e aquilo que ele representa. Fico feliz por saber que a alternativa, afinal, não era tão escura como pensávamos)

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